Escrever fácil é difícil, mas não precisa ser

Desde que comecei a trabalhar na Espiral e, consequentemente, com acessibilidade digital, tenho um desafio diário: escrever de uma maneira fácil.

#PraCegoVer #PraTodosVerem: gif animado em plano detalhe de uma mão fazendo anotações em um caderno pautado

Mas como produzir conteúdo em texto de forma simples, sem ser simplória? Nas aulas de jornalismo, principalmente nas de redação, a regra é clara: lide (o que, quem, onde, como, quando e por quê), ordem direta (sujeito + verbo + predicado), voz ativa, palavras conhecidas.

Acontece que, na prática, a teoria é outra. Escrever para um veículo, empresa ou figura pública faz com que o jornalista aprenda a não se apegar aos seus textos. Essa é a sua principal característica: entender que o texto a ser publicado deve servir ao público, e não a ele. Mas, vez ou outra, é possível servir aos dois.

A acessibilidade entra na história quando pensamos nas deficiências e, em especial, nas cognitivas. Imagine uma pessoa com dislexia. Eu te ajudo: pense no Tom Cruise. O ator é disléxico e não consegue memorizar roteiros escritos. Por isso, ele conta com pessoas para lerem os roteiros, gravando-os em áudio para que ele possa ouvi-los.

#PraCegoVer #PraTodosVerem gif animado do sapo Caco, dos Muppets, datilografando descontroladamente em uma máquina de escrever

Nem todos têm uma equipe para gravar todos os textos em áudio. Por isso, os produtores de conteúdo devem pensar em se comunicar de uma forma fácil.

Como fazer isso? É difícil no começo, mas, com algumas boas práticas, tudo fará mais sentido. Até para o Tom Cruise.

1. Evite frases ou parágrafos muito extensos;
Vinicius de Moraes explicou isso da melhor forma possível: “Uma frase longa não é nada mais que duas curtas.”

2. Verifique se o uso de repetições de termos pode atrapalhar a fluência do texto;
Palavras iguais muito próximas, em uma mesma frase ou parágrafo, tornam o texto cansativo. Além disso, podem ser uma barreira para leitores de tela (usados por cegos) e avatares de Libras (surdos).

3. Prefira o uso da ordem direta e voz ativa nas orações;
Quando estiver em dúvida, pense nos seguintes exemplos: “Escrevo melhor por usar frases curtas” e “Frases curtas são melhor escritas”.  A segunda opção não causa estranheza? É porque não soa natural, mesmo sendo gramaticalmente correta.

4. Opte por palavras menos rebuscadas e mais conhecidas (exceção: sites ou publicações focadas em conteúdo específico);
Defenestrar? Esquife? Discente? Jogar pela janela. Caixão.  Aluno.

5. Evite o uso de figuras de linguagem;
“Nunca mais devo usar uma figura de linguagem, então?” Não é isso, mas leve em consideração o público. Pense em um leitor com algum grau de autismo ou outra deficiência intelectual, por exemplo. Algumas orações podem ser o gatilho para uma crise. Pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) interpretam algumas frases no sentido literal e podem ficar agitadas ao ler ou ouvir que alguém está “preso à mesa do trabalho o dia todo”, “morto de fome” ou “infartando de ansiedade”.

6. Fuja do “clique aqui”;
O texto dos links deve indicar claramente o destino da navegação – e não deve abrir o conteúdo em uma nova janela. Prefira: “Para mais informações, acesse a área para empresas” (a URL deve estar em “área para empresas”).

7. Não utilizar termos como “portador de deficiência”;
O mesmo vale para “portador de necessidades especiais” ou “deficiente”. Escreva  “pessoa com deficiência” ou citar a deficiência em si (cego, surdo etc.).

 

INDICAÇÃO DE LEITURA:

#PraCegoVer #PraTodosVerem Gif animado de uma bibliotecária entregando um livro para uma menina com franjas que sorri

 Como escrever bem: o clássico manual americano de escrita jornalística e de não ficção/ Williamzinsser; tradução Bernardo Ajzenberg. – São Paulo: Três Estrelas, 2017.


*Elsa Villon é jornalista e especialista em Mídia, Informação e Cultura, além de especialista em acessibilidade de conteúdo digital na Espiral Interativa.